quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Impacto psicossocial da alergia alimentar em familiares com filhos alérgicos


 

Por:  Dra. Roseli Oselka Saccardo Sarni e

         Profa. Dra. Fabíola Isabel Suano de Souza

A alergia alimentar tem apresentado, nos últimos anos, prevalência ascendente em diversos países. Os alimentos envolvidos em mais de 80% dos casos de alergia são: leite, ovo, soja, trigo, amendoim, frutos do mar, peixes e castanhas. Na faixa etária pediátrica o leite e o ovo são os mais comumente envolvidos. Nos lactentes com idade inferior a um ano o leite de vaca é o responsável por 80% das alergias a alimentos. Cabe salientar que a alergia ao leite de vaca (ALV) é uma doença que, na maioria das vezes, apresenta um curso autolimitado, contrariamente ao observado na alergia a frutos do mar que acomete, com maior frequência, adultos e tende a persistir ao longo da vida.

As formas clínicas da alergia alimentar são variadas o que por vezes dificulta o diagnóstico e, consequentemente, o planejamento terapêutico. A única forma de tratamento disponível, até o momento, é a exclusão do alimento envolvido por um tempo variável ou até que o indivíduo adquira tolerância.

A complexidade da retirada do alimento da dieta é variável na dependência da faixa etária, assim, considera-se mais difícil a retirada do leite de uma criança com ALV comparativamente à exclusão de frutos do mar em adultos alérgicos a este alimento. A primeira situação associa-se com maior risco nutricional, prejuízo da qualidade de vida e traz limitações práticas no dia a dia.

Situações cotidianas como frequentar escola, festas de aniversário, casa de parentes podem representar situações de risco, que impõem modificação na rotina da família. O medo de exposições acidentais no domicílio ou em ambientes de risco (p.ex. escola, lanchonetes, restaurantes e festas), especialmente em crianças com reações graves, é constante nas famílias o que pode contribuir para uma situação de isolamento social.

Outro aspecto importante, que têm impacto psicossocial em famílias de indivíduos alérgicos, é o método utilizado para o diagnóstico de alergia alimentar, o teste de provocação oral (TPO). Apesar de necessário, o TPO não é um procedimento isento de risco, traz preocupação e ansiedade para a família, e deve ser orientado de maneira ampla para os familiares e realizado de modo seguro. Importante lembrar que os protocolos de tratamento sugerem que o TPO seja realizado para o diagnóstico e periodicamente a cada 6 meses .

Teste de provocação oral - "oferta do alimento, para o qual quer se comprovar ou descartar associação com alergia, em quantidades crescentes, em intervalos de tempo regulares, sob supervisão médica, com profissionais habilitados que têm disponíveis medicamentos e equipamentos para tratar possíveis reações graves, devendo o paciente ficar em observação por 2 a 4 horas".
 
A possibilidade de reações, durante a realização ou no período de observação do TPO (p.ex. urticária, angioedema, diarreia, vômitos e/ou anafilaxia) e de sintomas tardios ou inespecíficos que exigem observação por semanas (p.ex. diarreia, comprometimento na velocidade de ganho de peso e estatura, refluxo gastroesofágico e colite) deve ser explicada detalhadamente aos responsáveis pela criança.


Quando o TPO é positivo, mantém-se a exclusão do alimento e monitora-se a evolução. Algumas crianças podem levar semanas, após o TPO, para redução ou remissão dos sintomas. A orientação nutricional com substituição apropriada do alimento envolvido, esclarecimento a respeito da leitura e interpretação dos rótulos de produtos industrializados, conduta frente a eventos sociais e ambientes de risco, procedimento a ser adotado nas escolas, risco de contaminação cruzada e de possíveis transgressões devem ser abordados no momento do diagnóstico e periodicamente reforçados com todos os envolvidos. A informação de qualidade é fundamental para redução dos riscos para as crianças portadoras de alergia alimentar e da ansiedade dos pais.

São pontos críticos da alergia alimentar que podem comprometer a qualidade de vida das crianças e de seus familiares:
·       O momento do diagnóstico embasado na realização do TPO.

·       A proposta terapêutica que envolve a completa exclusão do alimento, de seus derivados e de preparações que o contenham.

·       O risco de isolamento social pelo medo de exposições acidentais em ambientes de risco (Ex. festas, praças de alimentação, utensílios domésticos contendo resíduos do alimento envolvido, entre outros).

·       A dificuldade econômica de acesso ao tratamento adequado. Por exemplo, o custo de fórmulas infantis especiais utilizadas em lactentes com ALV.

·       A possibilidade de exposições inadvertidas tendo em vista o desconhecimento ou modificação na composição nutricional de produtos industrializados.

·       A necessidade da família de crianças com restrições graves portar medicamentos para situações de emergência como, por exemplo, a noradrenalina autoinjetável.

·       A sensibilização e orientação adequada de outras pessoas envolvidas na rotina diária da criança (p.ex. professores e funcionários das creches e escolas).

·         Frente a esse quadro, cresce na literatura mais recente publicações abordando o impacto psicossocial da alergia alimentar na criança e seus familiares, que podem comprometer os hábitos alimentares, a socialização e o desenvolvimento da criança em curto e longo prazo, a dinâmica familiar e a adesão ao tratamento.
    
·         Ainda são escassos na literatura internacional e inexistentes em nosso meio estudos avaliando o impacto da alergia alimentar sobre a qualidade de vida da crinça e sua família. Algumas dificuldades relatadas para sua execução são a escolha do instrumento de avaliação adequado (questionário), a ampla variedade dos sintomas, idade e os alimentos envolvidos.

·         Os dados disponíveis confirmam prejuízo psicossocial às crianças com alergia alimentar e suas famílias. O impacto é maior quando a doença acomete crianças e envolve reações mais graves. Cohen et al, 2004(9), utilizando questionário específico para alergia alimentar – Food Allergy Quality of Life-Parental Burden – FAQL-PB, observaram, em famílias de crianças com alergia alimentar, pior qualidade de vida em todas as esferas (física, social e emocional). Os autores ressaltaram o comprometimento na interação social, com prejuízo à frequência da criança e seus pais em festas, limitação nos locais frequentados nos períodos de férias e na rotina diária (p.ex. restaurantes, lanchonetes e praças de alimentação). Sicherer et al, 2001; utilizando o Chilren’s Generic Health Questionnaire (CHQ-PF50), descreveram o impacto emocional nos pais de crianças com alergia alimentar com limitação nas atividades rotineiras. Houve associação entre os menores escores de qualidade de vida e pior adesão ao tratamento.

Algumas características são observadas com maior frequência em famílias de crianças com alergia alimentar:
         ·            Profundo impacto psicossocial e comprometimento nas atividades de vida diária.

         ·            Repercussões possíveis: depressão, isolamento social e maior estresse em situações cotidianas.

        ·            Repercussões e postura do profissional dependem da caracterização das Famílias:
         ·            Famílias disfuncionais (muito fechadas em si mesmas com pouco contato com o mundo externo):
         ·            Repercussões possíveis: prejuízo em lidar com as próprias emoções, forte resistência em aceitar o diagnóstico, maior fragilidade das crianças em lidar com situações práticas.
 
         ·            Papel do profissional de saúde: ser um facilitador para que a família possa encontrar o melhor caminho de reagir ao impacto do diagnóstico e às dificuldades/limitações impostas pelo tratamento.

A abordagem psicossocial em famílias com crianças com alergia alimentar deve ser prática rotineira, tendo em vista as repercussões sobre a qualidade de vida dos envolvidos e sobre a adesão ao tratamento. Nesse sentido, algumas medidas podem ser adotadas pela equipe que presta assistência:

·       Acolher a família (dúvidas, ansiedade e preocupações) fortalecendo o vínculo médico-paciente e aumentando a segurança em lidar com o problema.

·       Atuar, sempre que possível, com equipe multiprofissional

·       Oferecer opções, explicar e monitorar todas as etapas do tratamento:

·       Estimular a alimentação saudável, mesma na vigência de restrições (Ex: receitas, cardápios).

·       Orientar a conduta em ambientes de risco: escolas, festas, brincadeiras com amigos, visitas à casa de outros parentes, etc.

·       Explicar a importância da leitura e correta interpretação de rótulos de produtos industrializados.

·       Orientar e disponibilizar protocolo escrito envolvendo a conduta e medicamentos necessários para o atendimento imediato a reações graves.

Fonte: www.danonebabyprofissionais.com.br

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