Por: Dra. Roseli Oselka Saccardo Sarni e
Profa.
Dra. Fabíola Isabel Suano de Souza
A alergia alimentar tem
apresentado, nos últimos anos, prevalência ascendente em diversos países. Os
alimentos envolvidos em mais de 80% dos casos de alergia são: leite, ovo, soja,
trigo, amendoim, frutos do mar, peixes e castanhas. Na faixa etária pediátrica
o leite e o ovo são os mais comumente envolvidos. Nos lactentes com idade
inferior a um ano o leite de vaca é o responsável por 80% das alergias a
alimentos. Cabe salientar que a alergia ao leite de vaca (ALV) é uma doença
que, na maioria das vezes, apresenta um curso autolimitado, contrariamente ao
observado na alergia a frutos do mar que acomete, com maior frequência, adultos
e tende a persistir ao longo da vida.
As formas clínicas da alergia
alimentar são variadas o que por vezes dificulta o diagnóstico e,
consequentemente, o planejamento terapêutico. A única forma de tratamento
disponível, até o momento, é a exclusão do alimento envolvido por um tempo
variável ou até que o indivíduo adquira tolerância.
A complexidade da retirada do
alimento da dieta é variável na dependência da faixa etária, assim,
considera-se mais difícil a retirada do leite de uma criança com ALV
comparativamente à exclusão de frutos do mar em adultos alérgicos a este
alimento. A primeira situação associa-se com maior risco nutricional, prejuízo
da qualidade de vida e traz limitações práticas no dia a dia.
Situações cotidianas como
frequentar escola, festas de aniversário, casa de parentes podem representar
situações de risco, que impõem modificação na rotina da família. O medo de
exposições acidentais no domicílio ou em ambientes de risco (p.ex. escola,
lanchonetes, restaurantes e festas), especialmente em crianças com reações
graves, é constante nas famílias o que pode contribuir para uma situação de
isolamento social.
Outro aspecto importante, que têm
impacto psicossocial em famílias de indivíduos alérgicos, é o método utilizado
para o diagnóstico de alergia alimentar, o teste de provocação oral (TPO).
Apesar de necessário, o TPO não é um procedimento isento de risco, traz
preocupação e ansiedade para a família, e deve ser orientado de maneira ampla
para os familiares e realizado de modo seguro. Importante lembrar que os
protocolos de tratamento sugerem que o TPO seja realizado para o diagnóstico e
periodicamente a cada 6 meses .
Teste de provocação oral -
"oferta do alimento, para o qual quer se comprovar ou descartar
associação com alergia, em quantidades crescentes, em intervalos de tempo
regulares, sob supervisão médica, com profissionais habilitados que têm
disponíveis medicamentos e equipamentos para tratar possíveis reações
graves, devendo o paciente ficar em observação por 2 a 4 horas".
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A possibilidade de reações, durante a realização ou no período de
observação do TPO (p.ex. urticária, angioedema, diarreia, vômitos e/ou
anafilaxia) e de sintomas tardios ou inespecíficos que exigem observação por
semanas (p.ex. diarreia, comprometimento na velocidade de ganho de peso e
estatura, refluxo gastroesofágico e colite) deve ser explicada detalhadamente
aos responsáveis pela criança.
Quando o TPO é positivo,
mantém-se a exclusão do alimento e monitora-se a evolução. Algumas crianças
podem levar semanas, após o TPO, para redução ou remissão dos sintomas. A
orientação nutricional com substituição apropriada do alimento envolvido,
esclarecimento a respeito da leitura e interpretação dos rótulos de produtos
industrializados, conduta frente a eventos sociais e ambientes de risco,
procedimento a ser adotado nas escolas, risco de contaminação cruzada e de
possíveis transgressões devem ser abordados no momento do diagnóstico e
periodicamente reforçados com todos os envolvidos. A informação de qualidade é
fundamental para redução dos riscos para as crianças portadoras de alergia
alimentar e da ansiedade dos pais.
São pontos críticos da alergia
alimentar que podem comprometer a qualidade de vida das crianças e de seus
familiares:
·
O momento
do diagnóstico embasado na realização do TPO.
·
A
proposta terapêutica que envolve a completa exclusão do alimento, de seus
derivados e de preparações que o contenham.
·
O risco
de isolamento social pelo medo de exposições acidentais em ambientes de risco
(Ex. festas, praças de alimentação, utensílios domésticos contendo resíduos do
alimento envolvido, entre outros).
·
A
dificuldade econômica de acesso ao tratamento adequado. Por exemplo, o custo de
fórmulas infantis especiais utilizadas em lactentes com ALV.
·
A
possibilidade de exposições inadvertidas tendo em vista o desconhecimento ou
modificação na composição nutricional de produtos industrializados.
·
A
necessidade da família de crianças com restrições graves portar medicamentos
para situações de emergência como, por exemplo, a noradrenalina autoinjetável.
·
A
sensibilização e orientação adequada de outras pessoas envolvidas na rotina
diária da criança (p.ex. professores e funcionários das creches e escolas).
·
Frente a
esse quadro, cresce na literatura mais recente publicações abordando o impacto
psicossocial da alergia alimentar na criança e seus familiares, que podem
comprometer os hábitos alimentares, a socialização e o desenvolvimento da
criança em curto e longo prazo, a dinâmica familiar e a adesão ao tratamento.
·
Ainda são
escassos na literatura internacional e inexistentes em nosso meio estudos
avaliando o impacto da alergia alimentar sobre a qualidade de vida da crinça e
sua família. Algumas dificuldades relatadas para sua execução são a escolha do
instrumento de avaliação adequado (questionário), a ampla variedade dos
sintomas, idade e os alimentos envolvidos.
·
Os dados
disponíveis confirmam prejuízo psicossocial às crianças com alergia alimentar e
suas famílias. O impacto é maior quando a doença acomete crianças e envolve
reações mais graves. Cohen et al, 2004(9), utilizando questionário específico para alergia
alimentar – Food Allergy Quality of Life-Parental Burden – FAQL-PB, observaram, em
famílias de crianças com alergia alimentar, pior qualidade de vida em todas as
esferas (física, social e emocional). Os autores ressaltaram o comprometimento
na interação social, com prejuízo à frequência da criança e seus pais em
festas, limitação nos locais frequentados nos períodos de férias e na rotina
diária (p.ex. restaurantes, lanchonetes e praças de alimentação). Sicherer
et al, 2001;
utilizando o Chilren’s Generic Health Questionnaire (CHQ-PF50), descreveram o
impacto emocional nos pais de crianças com alergia alimentar com limitação nas
atividades rotineiras. Houve associação entre os menores escores de qualidade
de vida e pior adesão ao tratamento.
Algumas características são
observadas com maior frequência em famílias de crianças com alergia alimentar:
·
Profundo
impacto psicossocial e comprometimento nas atividades de vida diária.
·
Repercussões
possíveis: depressão, isolamento social e maior estresse em situações
cotidianas.
·
Repercussões
e postura do profissional dependem da caracterização das Famílias:
· Famílias disfuncionais (muito fechadas em si mesmas com pouco contato com o mundo externo):
· Repercussões possíveis: prejuízo em lidar com as próprias emoções, forte resistência em aceitar o diagnóstico, maior fragilidade das crianças em lidar com situações práticas.
· Papel do profissional de saúde: ser um facilitador para que a família possa encontrar o melhor caminho de reagir ao impacto do diagnóstico e às dificuldades/limitações impostas pelo tratamento.
A abordagem psicossocial em
famílias com crianças com alergia alimentar deve ser prática rotineira, tendo
em vista as repercussões sobre a qualidade de vida dos envolvidos e sobre a
adesão ao tratamento. Nesse sentido, algumas medidas podem ser adotadas pela
equipe que presta assistência:
·
Acolher a
família (dúvidas, ansiedade e preocupações) fortalecendo o vínculo
médico-paciente e aumentando a segurança em lidar com o problema.
·
Atuar,
sempre que possível, com equipe multiprofissional
·
Oferecer
opções, explicar e monitorar todas as etapas do tratamento:
·
Estimular
a alimentação saudável, mesma na vigência de restrições (Ex: receitas,
cardápios).
·
Orientar
a conduta em ambientes de risco: escolas, festas, brincadeiras com amigos,
visitas à casa de outros parentes, etc.
·
Explicar
a importância da leitura e correta interpretação de rótulos de produtos
industrializados.
·
Orientar
e disponibilizar protocolo escrito envolvendo a conduta e medicamentos
necessários para o atendimento imediato a reações graves.
Fonte: www.danonebabyprofissionais.com.br